Conversamos com exclusividade com o diretor financeiro da Trisul, Fernando Salomão, para conhecer os planos da construtora

Os bons resultados da Trisul – mesmo em um período de crise econômica brasileira, principalmente para o setor de construção civil – chamam a atenção dos investidores. Enquanto a maioria das empresas enfrentou dificuldades, a companhia seguiu na contramão e alcançou um lucro líquido de R$ 51,4 milhões nos três primeiros trimestres de 2018, o que representa um aumento de 251,2% em comparação ao mesmo período do ano anterior.

Somando-se a isso, desde as eleições, as ações das principais empresas desse segmento voltaram a valorizar impulsionadas pela expectativa do mercado de juros baixos por um longo período e a vitória de um governo mais liberal.

Para se ter uma ideia, as ações da Trisul (TRIS3) tiveram uma alta de 95,3% desde quando publicamos uma análise de múltiplos da empresa no final de julho do ano passado.

Há 30 anos no mercado, a Trisul abriu seu capital em 2007 e viu o valor de suas ações derreteram quando foi lançado o Programa Minha Casa Minha Vida.  Foi quando a companhia buscou um novo posicionamento e passou a ser referência na produção imobiliária de médio e alto padrão.

Para entender como a empresa superou um período de crises e quais são as perspectivas da corporação com a retomada da economia, o KB Investimentos conversou com exclusividade com o diretor financeiro da Trisul, Fernando Salomão.

Construção

Em 2011 e 2012, a companhia enfrentou um período de prejuízos relacionados à venda de imóveis do segmento de baixa renda. A Trisul pretende voltar a lançar muitos empreendimentos neste setor?

Quando a companhia abriu o capital, a estratégia era atuar em todo o estado de São Paulo (capital e interior) e no topo do segmento econômico – projetos com lazer e segurança diferenciados. Naquela época, ainda não havia o Programa Minha Casa Minha Vida.

Assim que o projeto começa (final de 2008), é estabelecido uma espécie de corte: os imóveis se enquadravam ou não no programa Minha Casa Minha Vida a depender do valor de venda. Por exemplo, no interior era necessário que o valor de venda fosse de até 120 mil. Como os incentivos fiscais eram significativos, a demanda por imóveis logo acima desse valor caiu muito.

Por conta da estratégia da empresa à época, muitos projetos precisaram ser readequados para entrar no programa. Isso gerou aumento de custos e estouros de orçamentos que impactaram nos resultados na companhia no biênio.

Após o ocorrido, a companhia decidiu colocar o pé no freio. O VGV (Valor Geral de Vendas) lançado caiu de 820 milhões para algo em torno de 300 milhões e a principal preocupação passou a ser entregar os empreendimentos e revisar a estratégia. 

A Trisul tem se concentrado em empreendimentos na Grande São Paulo nos últimos anos. Essa tendência deve continuar?

Sim. Após a revisão estratégica, a Trisul entendeu que era o momento de voltar às origens de período pré-IPO: focar nos lançamentos na Grande São Paulo. O gerenciamento de obras fora da região trazia um custo que a empresa decidiu evitar.

A empresa diminuiu o número de parcerias para lançamentos de seus empreendimentos. Essa tendência deve continuar?

Isso, de fato, ocorreu durante o período de reestruturação da empresa e com poucos lançamentos as parcerias não eram tão necessárias, mas a estratégia atual da Trisul prevê que elas ocorram para novos empreendimentos.

Nos últimos anos, a Trisul enfrentou muito melhor os problemas relacionados aos distratos do que outras construtoras. O que explica esse impacto menor no resultado da companhia?

Em parte, isso se deve a uma coincidência. O maior volume de distrato ocorre, em geral, quando o empreendimento é entregue. Por conta da redução de lançamentos ocorrida em 2013 e 2014, a Trisul finalizou poucos projetos no período de pico dos distratos (2015 a 2017). Por outro lado, a companhia já havia retomado um maior volume de lançamentos neste período. Por conta disso, a razão distratos/lançamentos da empresa se tornou uma das melhores do setor.

Além disso, outro fator positivo é que a Trisul foi mais criteriosa na escolha dos projetos, focando em áreas mais nobres e com menor oferta de imóveis. Esse segmento tende a ter menores problemas com distratos.

Com a nova lei de distratos aprovada, a construtora poderá receber até 50% do valor pago em caso de desistência do comprador nos empreendimentos que utilizam o modelo de patrimônio de afetação. A Trisul o usa para todas as suas obras? Como a nova lei impacta a companhia?

Todos os empreendimentos Trisul utilizam o modelo de patrimônio de afetação.

A lei traz um aspecto mais sério no compromisso de compra e venda. Anteriormente, o contrato de compra e venda de imóvel funcionava como uma espécie de opção para o comprador: se tudo desse certo, o comprador exercia a opção e comprava o imóvel. Se desse errado, ele pedia para devolver 70%, 80% ou até mesmo 90% do valor pago, a depender da decisão do judiciário.

A empresa espera que a proporção de especuladores/investidores que compram para vender logo em seguida diminuia? Já há alguma percepção de movimento nesse sentido?

Ainda não é possível aferir qual foi impacto da nova lei, mas a percepção inicial é de que deve afugentar o cliente que compra exclusivamente com a intenção de revender antes da entrega das chaves. Este tipo de comprador é prejudicial para o fluxo de caixa da empresa porque ele atrasa o pagamento do saldo devedor e prefere aguardar para revender mais caro.

Já o cliente que compra o imóvel, paga as prestações em dia e – eventualmente –  revende por um preço mais alto, não deve ser afetado pela lei. Enfim, a lei deve mudar o perfil dos compradores, mas não acreditamos que terá impacto sobre o número de vendas.

Construção 3

A Trisul tem landbank (banco de terrenos) inferior a dois anos de VGV. A companhia só compra terrenos com a intenção de começar as obras logo em seguida?

São vários os motivos:

  1. Como as condições para lançamento podem mudar no meio do caminho (como ocorreu no momento da criação do Minha Casa Minha Vida), é mais seguro comprar terreno já com a intenção de iniciar a obra logo em seguida.
  2. Se você compra um terreno e demora muito para lançar, outros concorrentes podem perceber a potencial demanda da região e se antecipar ao seu lançamento. Nós trabalhamos aqui com um prazo em torno de 14 meses entre a compra da área e o lançamento.
  3. A Trisul faz muitos empreendimentos em regiões nobres da cidade de São Paulo, em que o preço dos terrenos é alto. Hoje, a empresa tem uma dívida líquida, ou seja, capital de giro mais SFH (Sistema Financeiro da Habitação) menos o caixa em torno de 30% do patrimônio líquido. Para não manter este patamar confortável, a companhia opta por não formar um landbank tão grande.

Como funciona o processo de escolha dos terrenos e qual é a expectativa para a margem bruta da empresa?

Nós temos um comitê de compra de terrenos que considera a margem bruta do negócio, mas também a TIR (Taxa Interna de Retorno), a necessidade de capital do empreendimento, os riscos, entre outros fatores. A meta é ficar um pouco acima de 30%.

A conta Despesas Gerais e Administrativas esteve entre R$ 10 milhões e R$ 11 milhões por trimestre em 2016 e 2017. No terceiro trimestre do ano passado, cresceu para R$ 17 milhões. Esse novo patamar mais alto veio para ficar?

Dois fatores contribuíram para o aumento: despesas com a revisão da provisão para depósitos judiciais e a assinatura da provisão para PLR (Participação de Lucros e Resultados). Para os próximos trimestres, é esperado que o nível das Despesas Gerais e Administrativas volte ao patamar anterior – em torno de 40 milhões a 45 milhões ao ano.

Qual é a política de distribuição de dividendos atual da companhia?

A empresa não possui uma política de dividendos fixa. A cada ano é definido o percentual a ser distribuído. Nos últimos três anos, pagamos acima de 25% do lucro líquido.

A Trisul está num momento de retomada de um certo patamar operacional. Essa nova fase requer uma maior quantidade de recursos para ser utilizada nas obras.

11 pensamentos

  1. Legal KB! Obrigado pelo trabalho e entrevista. Setor imobiliário é complicado, cheio de risco e o último a recuperar. Na minha visão só após a estabilização do desemprego, no Brasil, creio que abaixo de 8% (estamos com 11,6%). Se a economia conseguir seguir o ritmo de recuperação esse setor será beneficiado também e o ciclo dos imóveis está favorável também. O duro é que a bolsa se antecipa e já colocou boa parte das expectativas na trisul e outras construtoras. Durante a crise várias construtoras quebraram e estão em má situação (vide gafisa), quem conseguiu passar bem pela crise tem mais chances de crescer (vide eztec e MRV).

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    1. Obrigado Ricardo!

      Concordo com você que o mercado já está precificando uma retomada do setor. As condições para isso estão dadas, com a retomada do emprego, juros baixos e aprovação das reformas.
      Considero que a Trisul hoje tem boas condições de crescer apoiada na melhora da economia.

      Abraço.

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